Em todos os congressos de Reprodução Assistida, contamos hoje com um painel que aborda os avanços da inteligência artificial (IA) e como ela pode beneficiar o trabalho dos profissionais da área e o tratamento dos pacientes.
Durante a 39ª reunião anual da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE), o cenário não poderia ser diferente. Uma nova ferramenta de inteligência artificial que consegue identificar espermatozoides em homens gravemente inférteis, em segundos, em comparação com as horas que os embriologistas levam para fazer isso foi apresentada.
Os autores do estudo dizem que o algoritmo que eles desenvolveram traz esperança aos homens que desejam um filho biológico, mas não têm espermatozoides em seu sêmen, ou seja, possuem uma condição chamada de azoospermia.
Atualmente, esses pacientes passam por um procedimento em que são retiradas amostras do parênquima de seus testículos para procurar espermatozoides e ajudá-los a se tornarem pais. Os embriologistas extraem manualmente os espermatozoides dessa amostra de biópsia para fertilizar os óvulos da parceira por meio de um tratamento que chamamos de Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoides (ICSI).
O embriologista pode levar até seis horas para encontrar e isolar os espermatozoides no tecido testicular. Os dados do estudo mostram que a IA pode poupar o tempo dos embriologistas, pois a ferramenta, chamada SpermSearch, identifica os espermatozoides mais rapidamente e deixa o profissional decidir se o sêmen é viável ou não para a ICSI.
O algoritmo pode melhorar abordagens que não são atualizadas há décadas, garantindo uma rápida identificação dos espermatozoides nas amostras, o que não apenas aumenta a chance de um casal conceber seus próprios filhos biológicos, mas também reduz o estresse sobre a amostra biológica e aumenta a eficiência no laboratório.
Entenda o estudo
Cerca de 1% de todos os homens não têm espermatozoides no sêmen ejaculado, esta é a forma mais grave de infertilidade, a azoospermia não obstrutiva. Tal condição afeta cerca de 5% dos casais que procuram tratamento de infertilidade.
Para identificar os espermatozoides para ICSI, os embriologistas fragmentam parcialmente as amostras de tecido e as separam com fórceps ou agulhas finas. Qualquer espermatozoide presente é então liberado em um líquido especialmente preparado que é colocado em uma placa de Petri.
Com um microscópio, o embriologista examina as gotículas desse líquido, uma pequena porção de cada vez. No entanto, a contaminação de outras células e partículas torna isso desafiador. Se o embriologista perder a amostra, o paciente terá menos oportunidades de se tornar pai e, quanto mais tempo demorar, maior a chance de o espermatozoide não ser viável.
O objetivo do estudo era testar se a IA poderia acelerar esse processo. A pesquisa foi realizada em uma clínica de fertilização in vitro em Sydney, em duas fases, ao longo de cinco meses, usando um software.
“Encontrar espermatozoides saudáveis em fragmentos de biópsias testiculares utilizando o microscópio é um processo árduo. A perspectiva de usar a IA para tornar o processo mais rápido e preciso, é muito interessante. Precisamos de mais pesquisas nesse sentido para saber se realmente poderemos incorporar esse conhecimento às nossas práticas”, afirma o especialista em Reprodução Assistida, Luiz Bruno Cavalcanti, diretor da Ciclos Medicina Reprodutiva.
Os resultados
Os resultados mostraram que a IA encontrou mais espermatozoides, e em menos tempo, no geral, do que os embriologistas. O algoritmo identificou espermatozoides em cada gotícula de sêmen que visualizou em menos de um milésimo do tempo gasto por um embriologista.
Na apresentação, os autores destacaram que o estudo é baseado em um teste de prova de conceito e que é necessário um ensaio clínico para provar que a técnica é útil. Eles acrescentaram que essa pesquisa deve ser realizada entre homens com outras formas de infertilidade grave e que estão passando por outras abordagens cirúrgicas, como coletas de espermatozoides de diferentes partes dos testículos.
“Para homens diagnosticados com azoospermia não obstrutiva, a ICSI com espermatozoides recuperados dos testículos é a única chance de ter filhos biológicos. Este é um estudo preliminar sobre o uso de IA para encontrar espermatozoides saudáveis em homens com esse tipo de infertilidade, mas já nos traz esperanças, nos abre possibilidades. A IA, aos poucos, será incorporada aos protocolos de Reprodução Humana Assistida. É esperar para ver”, diz o diretor da Ciclos.