Fertilidade e gravidez envolvem uma dança complexa de hormônios, biologia, tempo e sorte. E com tantos fatores influenciando a capacidade de uma pessoa engravidar e dar à luz a um bebê saudável, é fácil começar a procurar “culpados” quando as coisas dão errado.
E para os pacientes obesos, essa pressão pode ser maior ainda. Isso porque a pesquisa mostra que a obesidade está frequentemente associada à infertilidade. “Embora muitas pessoas com excesso de peso e obesas não tenham problemas para conceber, a obesidade é fator de infertilidade em cerca de 6% das mulheres que nunca engravidaram antes. Ela também pode reduzir a qualidade do sêmen, afetando a fertilidade dos homens”, afirma a especialista em Reprodução Humana, Ana Elisabete Dutra, diretora da Ciclos Medicina Reprodutiva.
Portanto, se você está interessado em começar uma família e está acima do peso, pode estar enfrentando desafios extras. Existem dados que mostram que quanto maior o IMC (índice de massa corporal) de uma pessoa, menor será sua taxa de sucesso em conseguir uma gravidez saudável. “Mulheres obesas são mais propensas a ter ciclos menstruais irregulares, taxas mais altas de abortos espontâneos e menores taxas de sucesso com o emprego das tecnologias de reprodução assistida, como a fertilização in vitro”, diz a diretora da Ciclos Medicina Reprodutiva.
O papel da obesidade na infertilidade
Existem vários fatores que podem dificultar a gravidez, incluindo idade, tabagismo, uso excessivo de álcool, maior estresse físico ou emocional, perda excessiva de peso ou obesidade. Além disso, alguns casos de infertilidade são inexplicáveis.
Os especialistas teorizam que a obesidade desempenha um papel na infertilidade, afetando os hormônios sexuais do corpo. Nas mulheres, as células adiposas convertem um hormônio masculino (androstenediona) em um hormônio feminino (estrona), que por sua vez afeta o metabolismo complexo que regula a função ovariana. Isso pode impactar negativamente o ciclo menstrual e tornar a ovulação menos regular.
Nos homens, a obesidade pode levar a menores níveis de testosterona e hipogonadismo (uma falha no funcionamento adequado dos testículos). A obesidade tem sido associada a um declínio na qualidade do sêmen, juntamente com disfunções sexuais e alterações nas funções endócrinas. As altas temperaturas corporais, especialmente ao redor da bolsa testicular (uma ocorrência comum na obesidade) também podem impactar negativamente na produção dos espermatozoides.
Além disso, o local onde a gordura corporal é armazenada pode desempenhar um papel na fertilidade. Uma pesquisa no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism descobriu que mulheres que tinham mais gordura abdominal e circunferência da cintura maior tinham menos probabilidade de ovular em comparação com aquelas que tinham IMC semelhante, mas circunferência da cintura menor. A obesidade também pode estar associada a outras condições crônicas que podem ter um efeito adverso na fertilidade, como a diabetes.
Como a obesidade afeta os tratamentos de reprodução humana
Ana Elisabete Dutra também destaca que a obesidade pode tornar mais difícil conseguir uma gravidez saudável por meio dos tratamentos de reprodução humana. Um estudo publicado no Journal of Reproductive Science descobriu que mulheres com maior IMC e maior nível de gordura abdominal tinham menor probabilidade de engravidar com tratamentos de tecnologia de reprodução assistida, incluindo medicamentos estimuladores de hormônios, como o citrato de clomifeno. Num estudo publicado na revista Fertility and Sterility, mulheres com excesso de peso e obesas que usaram gonadotrofinas (um medicamento que ajuda a estimular o crescimento dos folículos) necessitaram de doses mais elevadas e desenvolveram menos folículos durante os ciclos de tratamento.
E para aquelas que se submetem a tratamentos de fertilização in vitro mais invasivos (e caros), a obesidade também pode prejudicar uma gravidez bem-sucedida. Outro estudo descobriu que as taxas de sucesso da fertilização in vitro foram significativamente menos favoráveis entre aquelas com IMC mais elevados. “Isso torna as coisas mais complicadas. Na fertilização in vitro, você está prescrevendo medicamentos para obter o maior número possível de óvulos para fertilizar, e se você já tem uma mulher com um ambiente hormonal desregulado por causa da obesidade, ela pode ter que fazer mais e mais ciclos.”, diz a médica.
Dependendo do relógio biológico da paciente com obesidade, o especialista em Reprodução Humana pode recomendar adiar a fertilização in vitro até que ela tenha perdido peso.
A obesidade também pode afetar a saúde da própria gravidez. Uma metanálise descobriu que mulheres com obesidade tinham 1,3 vezes mais probabilidade de sofrer um aborto espontâneo; outra pesquisa descobriu que mulheres obesas submetidas à fertilização in vitro tinham maior probabilidade de sofrer uma perda precoce da gravidez.
“E ter obesidade também pode aumentar o risco de uma série de problemas de saúde durante a gravidez, incluindo hipertensão gestacional (pressão alta), pré-eclâmpsia (uma forma grave de hipertensão gestacional) e diabetes gestacional, juntamente com apneia obstrutiva do sono”, enumera a diretora da Ciclos Medicina Reprodutiva.
Além do peso corporal
De todas as coisas que podem dificultar a gravidez, uma das mais importantes não é o número na balança – é o ano em que a mulher nasceu. A idade desempenha um papel importante na fertilidade da mulher. Cerca de uma em cada cinco (22%) das mulheres com idades entre 30 e 39 anos que estão tentando engravidar relatam dificuldade, em comparação com uma em cada oito (13%) daquelas com menos de 30 anos.
“À medida em que as mulheres envelhecem, o número e a qualidade dos seus óvulos diminuem, o que torna uma gravidez bem-sucedida menos provável. Além disso, as mulheres com idade mais avançada são mais propensas a ter problemas de saúde que podem levar a problemas de fertilidade. A idade da mãe também aumenta as chances de abortos espontâneos”, destaca Ana Elisabete Dutra.
Mulheres que têm a síndrome do ovário policístico (SOP), condição que afeta cerca de uma em cada 10 mulheres em idade fértil, também podem ter problemas de fertilidade e obesidade. Na SOP, em alguns casos, as mulheres tem uma maior produção de hormônios masculinos do que o normal, e a ovulação é menos frequente ou não acontece, tornando a gravidez mais desafiadora. Os sintomas da SOP podem incluir ciclos menstruais irregulares ou amenorreia (ausência de menstruação), acne, excesso de pelo e ganho de peso.
No entanto, o IMC não é o único fator que afeta a fertilidade em mulheres com SOP. A maioria das mulheres com SOP tem alguma resistência à insulina, e isso pode desempenhar um papel na ovulação e na capacidade de conceber, além do IMC.
Como combater a obesidade
Para os casais que pretendem constituir família, é útil tomar medidas precoces para controlar a obesidade. Embora não seja fácil perder peso apenas através de dieta e exercício, adotar algumas mudanças simples no estilo de vida – reduzir alimentos processados, movimentar-se mais ao longo do dia – ajudará a melhorar a saúde geral e a reduzir potenciais complicações na gravidez.
Algumas pesquisas descobriram que perder 5% a 10% do peso corporal pode aumentar a chance de engravidar das mulheres obesas. A perda de peso por si só pode aumentar a chance de concepção não assistida. No entanto, um estudo de 2022 concluiu que as mulheres eram mais propensas a engravidar aumentando os seus níveis de atividade sem fazer dieta ou alterar o seu IMC.
Quando as mudanças no estilo de vida por si só não são suficientes, é possível considerar medidas mais intensivas para perda de peso, como medicamentos ou cirurgia bariátrica.
“Outra estratégia, se você estiver preocupado com sua idade e gravidez, é submeter-se à preservação da fertilidade (congelamento de óvulos) e, em seguida, dedicar algum tempo para se concentrar nas mudanças que podem ajudar a reduzir a obesidade e as chances de sucesso dos tratamentos de fertilidade. Perder peso antes de tentar constituir família também pode diminuir os riscos de complicações na gravidez”, orienta a médica.
Talvez o mais importante seja que, se você está enfrentando problemas com obesidade e infertilidade, seja gentil consigo mesmo e preste atenção à saúde mental. Há muito estigma em torno da infertilidade e da obesidade em geral.
“Converse com o especialista em Reprodução Humana sobre qual é a melhor abordagem para você e que outros tratamentos estão disponíveis em sua jornada para ter um bebê. E saiba que você não está sozinho. Muitas outras pessoas com obesidade seguiram caminhos de sucesso até à gravidez”, destaca a diretora da Ciclos Medicina Reprodutiva.