No universo da Reprodução Assistida, a fertilização in vitro (FIV) é uma técnica de alta complexidade. A FIV com óvulos doados, ou ovodoação, é indicada para casos em que não é possível utilizar o próprio gameta da mulher, seja por insuficiência ovariana prematura (menopausa precoce), pelo fator idade, por pouca qualidade dos óvulos ou mesmo total ausência deles.
Além disso, a técnica beneficia também casais homoafetivos masculinos (quando combinada ao útero de substituição) que desejam constituir suas famílias, mulheres com idade mais avançada e pacientes com infertilidade pós-quimioterapia.
A ovodoação em si consiste em fazer o tratamento para engravidar utilizando os óvulos de outra pessoa. De maneira resumida: uma mulher jovem com boa reserva ovariana (doadora) doa seus óvulos para uma mulher que não consegue engravidar com seus próprios óvulos (receptora).
Segundo dados do Relatório de Produção de Embriões (SisEmbrio), divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 2020 a 2023, foram 3.294 gestações clínicas a partir de procedimentos de ovorecepção.
- Existe alguma lei que regule a ovodoação?
A prática da doação de óvulos no mundo está diretamente ligada à cultura e à regulamentação local. O Brasil não possui leis para regulamentar esse processo. A regulamentação nacional da prática se dá através de resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que dispõe sobre as normas éticas para emprego das técnicas de Reprodução Assistida.
“A utilização de óvulos de doadoras é uma opção viável para mulheres que não possuem óvulos de boa qualidade para a obtenção de uma gestação saudável e a termo. As questões éticas e legais derivadas da doação da óvulos surgem da separação do vínculo genético e do vínculo gestacional feminino. Nenhuma destas questões torna ilegal ou moralmente inaceitável a ovodoação como uma forma de tratamento de infertilidade”, explica a especialista em Reprodução Humana, Ana Elisabete Dutra, diretora da Ciclos Medicina Reprodutiva.
- Como se dá essa prática no Brasil?
A doação de óvulos é um ato altruísta, anônimo e não remunerado. A modalidade mais praticada por aqui é a doação compartilhada.
“Uma mulher que precisa se submeter ao tratamento de fertilização in vitro doa parte de seus óvulos para a receptora. Também é permitido que mulheres que não precisem realizar tratamentos de reprodução assistida procurem as clínicas apenas para doar óvulos”, conta a diretora da Ciclos Medicina Reprodutiva.
É permitido que a receptora custeie o tratamento da doadora. O mediador dessa relação é a clínica responsável pelo tratamento de ambas.
- Quem são as ovorreceptoras?
Algumas mulheres não conseguem engravidar naturalmente porque estão com a idade avançada ou tiveram os ovários removidos cirurgicamente, entraram na menopausa em idade precoce ou possuem uma baixíssima reserva ovariana. No entanto, elas ainda são capazes de engravidar se receberem o embrião formado a partir de óvulos de outra mulher.
Além disso, há mulheres saudáveis que são portadoras de doenças genéticas graves que podem ser transmitidas aos seus filhos se utilizarem os seus próprios óvulos. Ao receber óvulos de uma mulher que não é portadora de uma doença hereditária, o risco de transmitir a doença aos filhos é eliminado.
“Há também pacientes que necessitam de óvulos doados porque possuem poucos e de qualidade baixa. Muitas dessas mulheres estão próximas dos 40 anos; algumas têm histórico de endometriose. Suas chances de gravidez aumentam significativamente se receberem óvulos doados por uma mulher mais jovem”, explica Ana Elisabete Dutra.
Segundo o CFM, para realizar os procedimentos de fertilização, ou seja, para receber os embriões, a paciente deverá ter no máximo 50 anos. Após essa idade, deverá passar por avaliação médica para garantir que esteja saudável para o procedimento. A idade da receptora influencia outros aspectos da gestação, como a saúde materna durante a gravidez e os riscos associados ao parto. Portanto, é importante considerar a idade da mulher de maneira abrangente, levando em conta todos os fatores envolvidos no processo de gravidez e parto.
- Quem são as ovodoadoras?
São mulheres saudáveis entre 18 e 37 anos que passam pelo procedimento de estimulação ovariana e fazem a doação de seus óvulos através de uma clínica de fertilização ou banco de gametas.
A doadora deve estar dentro de seu peso corporal ideal, não ser fumante, estar livre de quaisquer doenças médicas significativas e ter uma boa reserva ovariana. Existem algumas restrições clínicas, como ser portadora de doenças genéticas, doenças psiquiátricas graves, endometriose grave e infecções crônicas como HIV, Hepatites B e C e HTLV.
“Segundo a Resolução nº 2.320/22, do Conselho Federal de Medicina, que regulamenta as doações, a ovodoação trata-se de um movimento altruísta, sem fins lucrativos e anônimo — a não ser em caso de parentes até 4º grau”, destaca a especialista em Reprodução Humana Assistida.
- Posso receber um óvulo de parente?
Sim. De acordo com as diretrizes da resolução do CFM, é possível que a doadora não seja anônima apenas quando a doação ocorrer entre parentes de até 4º grau da receptora (mãe, filha, avó, irmã, tia, sobrinha ou prima).
“Nesses casos, não é preciso nenhum tipo de solicitação jurídica. É só seguir as recomendações do especialista em reprodução assistida, que saberá te orientar sobre todo o trâmite”, informa Ana Elisabete Dutra.
Em casos que fujam a esta regra é preciso entrar com uma solicitação no Conselho Regional de Medicina. Se for a hipótese, por exemplo, de querer um parente um pouco mais distante, então é o CRM que avalia a possibilidade ou não.
- Como posso me tornar uma doadora de óvulos?
As mulheres interessadas em se tornar doadoras de óvulos devem entrar em contato com as clínicas de Reprodução Humana Assistida para marcar uma consulta e passar por triagem.
Na clínica, a futura ovodoadora receberá informações sobre o processo da ovodoação e todas as dúvidas serão respondidas. Um exame físico, ultrassom transvaginal para contagem de folículos antrais, solicitação de culturas cervicais e de exames de sangue serão realizados nesse momento.
Após o retorno dos resultados das culturas e exames de sangue, será solicitado o comparecimento à clínica para início do tratamento, que abrange as seguintes etapas:
- Estimulação dos ovários da mulher que doará óvulos (doadora);
- Captação destes óvulos, através da aspiração dos folículos ovarianos guiado por ultrassom transvaginal (com sedação);
- Doação de parte dos óvulos para a receptora;
- Fertilização dos óvulos doados com sêmen do casal receptor;
- Transferência dos embriões formados para o útero da mulher receptora.
- Como é feita a escolha da receptora?
Tanto a receptora quanto a doadora realizam um cadastro na clínica de reprodução e, quando solicitada a doação, o médico auxilia nesse cruzamento de informações.
“São levados em conta a compatibilidade sanguínea e um perfil físico de preferência, ou seja, cor de olhos, cor de cabelo, cor de pele, traços físicos. As opções de perfil são apresentadas para a receptora e, uma vez definido, a clínica intermedeia o processo”, explica a diretora da Ciclos Medicina Reprodutiva.
Existe também a possibilidade de recorrer a bancos de gametas e à importação de óvulos. Nesses casos, a clínica solicita esse pedido no exterior — seguindo as normas definidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para reprodução assistida — e auxilia no trâmite de transporte até aqui.