Não há como negar o fato de que a infertilidade pode causar um grande impacto na saúde física e mental do casal. Os hormônios, as agulhas, os exames, os procedimentos impactam o bem-estar do casal. Não há como descrever a dor associada às tentativas – e aos fracassos – de aumentar a família.
Mas o que é menos falado é o impacto que a infertilidade pode ter nos relacionamentos do casal. A pesquisa sugere que a infertilidade costuma ser uma experiência muito solitária, um fato que só é agravado pelas mudanças drásticas que causa nos relacionamentos existentes.
Vergonha, constrangimento e estigma têm efeitos. Tensão financeira, falta de comunicação e estratégias de enfrentamento contraditórias podem representar grandes divergências entre o casal e os entes queridos.
São sobre todos esses sentimentos que vamos falar nesse texto.
Infertilidade e relacionamentos românticos
A obrigação de ter que manter relações sexuais programadas pode gerar muito estresse entre o casal. Não é de surpreender que um estudo de 2004 descobriu que os homens em casais inférteis tendem a sentir menos satisfação no casamento durante os tratamentos de infertilidade. Provavelmente, isso se deve à pressão mental para realizar todos os meses as etapas do tratamento. O mesmo estudo também descobriu que as mulheres frequentemente relataram menos satisfação com o casamento.
Em casais do mesmo sexo, embora a relação sexual não seja o meio de concepção, o estresse resultante dos processos de tecnologia de reprodução assistida, por si só, também pode causar problemas na intimidade.
“Além disso, muitas emoções negativas são despejadas nos parceiros. Muitos casais optam por manter em segredo suas lutas contra a infertilidade. O resultado é muita pressão sobre uma pessoa em busca de apoio”, explica a especialista em Reprodução Humana, Ana Elisabete Dutra, diretora da Ciclos Medicina Reprodutiva.
Na maioria dos casais, os indivíduos lidam com a decepção e a tristeza de maneiras diferentes. E um dos pares pode acabar ficando ressentido quando seu parceiro o acusa de “reação exagerada” ou “catastrofização”. Muito comum também é a sensação de que o parceiro “não se importa o suficiente” ou que busca responder à tristeza tentando “consertar” o que não tem solução.
A culpa e o ressentimento podem facilmente afetar os casais que passam por tratamentos de infertilidade. “Se você é uma mulher submetida a tratamentos invasivos de fertilidade, como resultado de infertilidade por fator masculino, pode sentir ressentimento após cada injeção, coleta de sangue ou teste de gravidez negativo. Ou, se os tratamentos forem o resultado do seu próprio diagnóstico, você poderá se sentir culpada”, diz a diretora da Ciclos Medicina Reprodutiva.
Nos casais do mesmo sexo, a questão de quem suporta o fardo do tratamento, ou quem é recompensado pela experiência da maternidade/paternidade biológica, também pode ser uma fonte de tensão.
Depois, há a tensão financeira. Tratamentos como a fertilização in vitro (FIV) geralmente apresentam altos valores para um ciclo básico com medicação. E cada ciclo de FIV oferece apenas 40% por cento de chance de um nascido vivo para mulheres com menos de 35 anos. As taxas de sucesso podem variar significativamente dependendo da idade da pessoa que concebe, do diagnóstico de infertilidade, do laboratório utilizado e da clínica.
Se o tratamento não funcionar, a perda pode ser ainda mais significativa. Um estudo de 2014 com quase 48.000 mulheres sugere que os casais que não têm sucesso nos tratamentos de fertilidade têm até três vezes mais probabilidade de terminar o relacionamento.
Infertilidade e amizades
Se o casal está no auge da idade fértil, provavelmente está cercado por outras pessoas em uma época de vida semelhante. Isso significa que os feeds das redes sociais estão repletos de barrigas de bebê e de balões azuis e rosa.
Quando você está lutando contra a infertilidade, parece que todas as pessoas que você vê no supermercado ou no parque estão empurrando um carrinho ou gestando. Essa ilusão se torna realidade quando seus melhores amigos começam a compartilhar as novidades da gravidez.
Embora o casal que enfrenta problemas de fertilidade possa querer dar presentes ao seu melhor amigo e aceitar a honra de serem “os padrinhos”, ele pode não se sentir confortável em vê-los. Não é de surpreender que, numa época em que o casal mais precisa de seus amigos, pelo menos um estudo de 2015, sugere que o isolamento autoimposto é comum.
Se ir a um chá de bebê ou a uma festa de aniversário infantil é muito doloroso, não há problema em recusar convites. Isso não significa que vocês tenham que se afastar completamente do universo infantil. Decidam o que é melhor para sua saúde mental. Encontrem outras maneiras de se conectarem com pessoas que não estão tão focadas em bebês ou em gravidez.
“Para casais do mesmo sexo, ter um filho é naturalmente mais complicado. Pode haver óvulos ou espermatozoides de doadores e o complicado mundo da barriga de aluguel para explorar. O casal pode não ter certeza sobre o que conversar com os amigos porque todo o seu mundo está consumido por conceitos sobre os quais eles nunca pensaram antes”, explica Ana Elisabete Dutra.
Infertilidade e familiares
Mesmo para casais que não enfrentam problemas de fertilidade, a pergunta “Quando vou ter um neto?” é irritante. Mas quando tudo o que o casal quer é poder presentear seus pais com uma foto de ultrassom, essa pergunta começa a doer de verdade.
Muitos casais sofrem durante meses, enquanto fazem os tratamentos de fertilização in vitro sem contar nada a ninguém. Alguns podem não querer preocupar os pais, enquanto outros não querem decepcioná-los prematuramente quando a gravidez não segue adiante.
Para evitar conversas invasivas – por mais bem-intencionadas que sejam – o casal pode sentir necessidade de se afastar de sua família. “Para pessoas com pais muito tradicionais ou casais do mesmo sexo, cujas famílias não aceitam bem o casal homoafetivo, a fertilização in vitro pode ser vista como moralmente errada. Isso adiciona outra camada de estresse quando o casal está sofrendo em silêncio”, diz a especialista em Reprodução Humana Assistida.
Infertilidade e crianças mais velhas
Se o casal está enfrentando infertilidade secundária (dificuldade em conceber depois de ter um filho) e está passando por tratamentos de infertilidade para ter o bebê número dois ou três, há uma pressão adicional de cuidados infantis além da rotina diária de infertilidade.
Entre o treinamento para o desfralde, o treinamento para dormir e a ação ininterrupta da vida de criança, é difícil encontrar tempo para adicionar “relações sexuais” à agenda já lotada.
“Estar presente na vida de crianças mais velhas é difícil quando o casal está enfrentando problemas de infertilidade. Tentar engravidar pode significar pular a rotina matinal do filho enquanto a mãe faz ultrassonografias ou coleta de sangue”, observa Ana Elisabete Dutra.
Decida em quem confiar
Durante os tratamentos de infertilidade, o círculo social do casal pode parecer muito restrito e pequeno. Pode parecer que são apenas o casal e o especialista em Reprodução Humana Assistida caminhando juntos.
“O nível de conforto de cada casal é diferente quando se trata de compartilhar sua jornada de infertilidade. Se o casal acha que o silêncio está tornando seus relacionamentos desarticulados, considere escolher uma ou duas pessoas em quem confiar. Pode ser alguém que o casal conhece que também lutou contra a infertilidade, alguém que dá bons conselhos ou alguém que não faz julgamentos e é um bom ouvinte”, aconselha a médica.
Mas se a privacidade é algo que o casal valoriza e lhe traz ansiedade compartilhar novidades, ingressar em um grupo de apoio (on-line ou presencial) ou buscar suporte psicológico pode ajudar.
“Na Ciclos, digo sempre aos pacientes: embora a infertilidade possa mudar relacionamentos importantes em sua vida, há uma chance de fazer com que essas mudanças funcionem para vocês. Tentem transformar a experiência em crescimento pessoal”, diz Ana Elisabete Dutra.